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Clínica Dra. Iara

Asma e broncoespasmo induzido por esforço: conceitos importantes

A ideia do exercício como fator desencadeante ou gatilho da asma é muito antiga, porém não mereceu muita atenção da literatura médica até recentemente. Na década de 1960, vários estudos demonstraram que exercícios físicos eram desencadeantes comuns da asma em crianças e adolescentes e a intensidade do espasmo induzido por exercício relacionava-se com a gravidade da doença. Em 2002, por ocasião dos jogos olímpicos de inverno em Salt Lake City, o número elevado de pedidos de autorização dos atletas para utilizar beta-agonistas desencadeou a iniciativa de organizar o tema da asma em atletas de elite no Comitê Olímpico Internacional. Nessa data foram estabelecidas as primeiras regras para diagnosticar asma em atletas, assim como fármacos e critérios para o tratamento. Com isso, surgiram inúmeros trabalhos na literatura sobre asma em atletas, assim como o conceito de broncoespasmo induzido por esforço em atletas não asmáticos.

Em 2013, a Sociedade Americana de Tórax (ATS) publicou o primeiro consenso oficial sobre broncoespasmo induzido por exercício2. Na última década, as publicações sobre o tema têm se intensificado, com estudos sobre prevalência da asma em diversas modalidades, trabalhos sobre mecanismo e fisiopatologia, revisões sobre o assunto endereçadas a pediatras e profissionais que atendam atletas e algoritmos para facilitar o manejo. Exercitar-se regularmente é a forma mais efetiva de manter a saúde em boa forma. Por simples lazer ou pelo prazer da socialização, as pessoas acabam se engajando em esportes competitivos, com treinamentos intensos. Muitas são asmáticas. Quando controlada, a asma não restringe o desempenho esportivo. Na verdade, exercícios regulares melhoram os sintomas da asma e a qualidades de vida. Em 1894, Pierre de Coubertain, primeiro presidente do COI, mencionou como tema dos jogos “Citius, altius, fortius” (mais rápido, mais alto, mais forte). Atualmente, a necessidade contínua de incrementar a performance esportiva vem acompanhada do aumento na prevalência de asma entre esses atletas. Alguns autores acreditam que a asma induzida por exercício em atletas de elite talvez pudesse entrar para o capítulo das doenças ocupacionais. Atualmente, a asma é a condição crônica mais prevalente entre atletas de elite. Portanto, exercícios podem desencadear asma. No entanto, não é desejável que o asmático deixe de fazer atividades físicas. A asma não deve ser um obstáculo que impeça o atleta de atingir o pleno potencial em nenhuma modalidade esportiva. Muitos atletas considerados amadores treinam em volume e intensidade elevados. Asma do atleta não se refere somente aos campeões, mas sim a todos os indivíduos que praticam alguma atividade física diária com alta intensidade. Exercícios intensos impõem uma demanda no sistema cardiorrespiratório. O débito cardíaco aumenta e o volume- minuto pode atingir 200 litros por minuto em atletas treinados. Nessa carga ventilatória, as vias aéreas experimentam aquecimento e perda de água intensa para ajustar o ar inspirado aos níveis de temperatura e umidade do corpo. Exercícios intensos levam à respiração oral, o que facilita o aumento da penetração de alérgenos e poluentes nas vias aéreas inferiores. Assim, não é surpresa que atletas sejam mais acometidos por várias doenças respiratórias.

O termo broncoespasmo induzido por exercício (BIE) descreve um estreitamento transitório das vias aéreas após o exercício, um fenômeno que pode ocorrer em atletas que nunca tiveram sintomas respiratórios nem diagnóstico prévio de asma. BIE é uma forma distinta de hiper-reatividade das vias aéreas, sendo comumente encontrado em asmáticos e mais comum em atletas de endurance, particularmente nos esportes de inverno e aquáticos. Dentro do grupo de asma e BIE, dois fenótipos são atualmente descritos em atletas: asma atópica e asma do esporte. A asma atópica é definida por antecedentes de alergia, rinite e outras doenças alérgicas, como urticária, aumento dos níveis de óxido nítrico exalado, testes cutâneos positivos e incremento nos eosinófilos periféricos, isto é, um asmático atleta. A segunda categoria refere-se a indivíduos sem antecedentes de alergias, sem histórico familiar ou sintomas na infância, que desenvolvem BIE ao longo da carreira esportiva. Atletas de esportes de inverno apresentam risco de desenvolver BIE nove vezes maior, seguido de esportes aquáticos, com chance três vezes maior que a população geral. Uma situação particularmente interessante tem sido observada nas Olimpíadas desde 2000, em que atletas asmáticos ganham mais medalhas do que não asmáticos. Especulações são levantadas a respeito do mecanismo desse achado, como quanto maior a carga de treinamentos necessária para atingir um ótimo desempenho, maior exposição e, consequentemente, risco de BIE. Desde 2008, a prevalência de atletas com o fenótipo asma do esporte em relação à asma atópica nos atletas é maior. Em nosso meio, a alta frequência de nadadores com asma e BIE é paradoxal, uma vez que ainda é muito frequente o aconselhamento de natação como tratamento para asma em crianças. Embora a natação recreativa não seja descrita como fator de risco para BIE, muitas crianças talentosas tornam-se atletas competitivos. O volume de treino elevado necessário para atingir resultados expressivos expõe esses atletas a altas concentrações de cloraminas e produtos da evaporação de substâncias químicas das piscinas. Consequentemente, vários nadadores com antecedentes de asma e muitos sem história prévia apresentam BIE. A alta prevalência de asma e BIE em nadadores justificaria um programa de screening de rotina em atletas aquáticos. Infelizmente, este procedimento raramente é realizado, deixando muitos futuros atletas fora da água e dos pódios. Em 2007, efetuou-se uma pesquisa em nadadores amadores entre 7 e 17 anos, tendo se aplicado questionários e realizado espirometria em aproximadamente 2 mil crianças. O resultado foi surpreendente, mostrando prevalência de 18% de sintomas de asma nessa população. Infelizmente, somente 2% das crianças utilizaram o tratamento com corticoide inalado. Quase dez anos após essa publicação, pouco mudou no cenário do diagnóstico e tratamento de atletas asmáticos.

O mecanismo do BIE é bastante estudado, mas não totalmente compreendido. O esfriamento e posterior aquecimento das vias aéreas em resposta à alta demanda ventilatória são os mecanismos mais aceitos. A desidratação das vias aéreas com alterações da osmolaridade da camada fluida libera mediadores inflamatórios como histamina, leucotrienos e prostaglandinas das células inflamatórias das vias aéreas, levando à contração da musculatura lisa e a edema. Asmáticos não controlados apresentam BIE com mais intensidade. Tais alterações inflamatórias aliadas ao estresse mecânico têm um papel não somente no desenvolvimento do BIE, mas também no remodelamento das vias aéreas em atletas. Finalmente, períodos de imunossupressão também são descritos em atletas, principalmente durante treinamentos intensos, o que aumenta a suscetibilidade a infecções virais com consequente perda do controle da asma.

Os sintomas do BIE incluem tosse, chiado, aperto no peito e falta de ar, que ocorrem durante ou após a realização de esforço físico. São mais frequentes nos dias frios e secos. Podem refletir simplesmente a falta de controle da asma1. São mais comuns em crianças, no entanto podem ocorrer em qualquer idade. Atualmente, muitas crianças passam mais tempo com professores e técnicos esportivos do que na companhia dos pais. Portanto, deve-se dividir com esses profissionais a responsabilidade de diagnosticar a asma e o BIE. Surgimento de tosse seca ou aperto no peito durante brincadeiras agitadas e crianças que repetidamente abandonam jogos que necessitam de mais vigor físico são sinais de asma induzida por esforço. Às vezes, os sintomas não são típicos e o broncoespasmo pode se apresentar como dor torácica ou abdominal. Em crianças que praticam atividades esportivas regulares, além dos sintomas citados anteriormente, o baixo rendimento do treinamento em relação aos colegas pode ser um sinal de broncoespasmo induzido por esforço. Tais sintomas costumam se acentuar em épocas de clima frio e seco. Em atletas de alto rendimento, BIE é mais comum, mesmo em indivíduos que nunca apresentaram asma ou alergias. Presença de asma na família ou histórico de asma na infância pode sugerir diagnóstico de asma ou BIE, mas não é suficiente para determinar ou descartar tal diagnóstico. A presença de sintomas respiratórios em atletas é pouco sensível para o diagnóstico de BIE, em razão do diferente limiar de dispneia nesses indivíduos altamente treinados. Estudos demonstram que somente 50% dos pacientes e também seus pais percebem os sintomas induzidos por esforço. Portanto, sempre que houver suspeita de asma, deverá ser confirmada por meio de exames de função pulmonar. A documentação de obstrução variável é um pré-requisito para o diagnóstico de asma e BIE em atletas. Muitos apresentam fluxos expiratórios muito elevados, particularmente nadadores, com até 120% do previsto. Nesses casos, a comprovação da variação de 12% ou mais no VEF1 após o teste bronco dilatador, ou após quatro semanas de teste terapêutico, pode ser consistente com o diagnóstico de asma, e não com a simples variação da normalidade. Se a prova funcional for normal em repouso, poderão ser realizados testes de bronco provocação. O padrão-ouro para diagnóstico de asma e BIE em atletas é a hiperventilação isocápnica. Infelizmente, esse teste encontra-se pouco disponível na prática clínica, ficando bastante restrito à pesquisa ou aos centros universitários. Os testes farmacológicos com metacolina ou manitol são mais disponíveis, mas pouco sensíveis. O teste de campo é o exame que reproduz com mais veracidade a situação de treino e a exposição ambiental do atleta. As diferentes modalidades esportivas impõem a cada atleta situações específicas de treino, carga de trabalho e exposição ambiental. Logo, é intuitivo que um teste de função pulmonar utilizando o próprio treinamento como bronco provocador seja o mais específico. Nem sempre se consegue reproduzir sintomas respiratórios durante o teste adicionado à inerente variabilidade do BIE. Em alguns casos, uma combinação de testes é necessária para confirmar o diagnóstico. Outros exames como medidas de óxido nítrico exalado ou células inflamatórias no escarro induzido ainda estão no campo da pesquisa e prometem resultados em um futuro próximo. Se houver alta suspeita clínica e testes negativos, poderá ser realizada prova terapêutica de quatro semanas e observados os sintomas. Sempre se deve descartar os diagnósticos diferenciais ou coexistentes de asma e BIE, principalmente se o teste terapêutico não apresentar boa resposta. Disfunções de laringe, movimentação paradoxal das cordas vocais, rinite alérgica não controlada, refluxo gastroesofágico e síndrome da hiperventilação por ansiedade-estresse são afecções extremamente frequentes em atletas. Os sintomas são inespecíficos e os atletas têm dificuldade em compreendê-los, estando sempre focados nos resultados e não nas doenças eventuais da sua condição. Atletas são vistos como seres de condição física supranormal, imunes a doenças de pessoas não treinadas. Logo, a ideia de doença como causa de um resultado não esperado pode parecer um luxo ou fraqueza psicológica. Ainda, a pressão dos técnicos e gerentes esportivos por resultados e o medo de os atletas perderem a posição ou o financiamento tornam o diagnóstico de asma e BIE nesses indivíduos bastante desafiador. Cabe ao médico desvendar esse caminho com critério e sempre fornecer explicações pertinentes.

Tratamento da asma e broncoespasmo induzido por esforço em atletas

O objetivo do tratamento da asma e BIE em atletas não é diferente daquele dos asmáticos em geral, ou seja, atingir e manter o controle da asma, otimizar a função pulmonar e prevenir fatores de risco para exacerbações agudas1,6. Embora o conceito geral de controle seja o mesmo, é essencial lembrar que a população de atletas de alto rendimento tem expectativas de performances bastante diferentes da população geral e limiares de dispneia em atividades difíceis de imaginar para a maioria dos pacientes nos consultórios diariamente. A maioria dos médicos, especialmente os pneumologistas, é treinada para identificar e atender pacientes com insuficiência respiratória e dificuldade para realizar simples atividades da vida diária. Entender que um paciente que corre uma maratona ou percorre uma distância de 80 km pedalando sente-se cansado requer um ajuste de pensamento bastante considerável. Muitos médicos simplesmente consideram problemas psicológicos ou desculpas por um resultado não alcançado. No entanto, é fundamental lembrar o quadro de controle da asma proposto pela GINA, em que qualquer limitação para atividade física já determina controle limitado da asma1. Para esses atletas, isto pode significar terminar uma maratona em um tempo maior que o esperado.  Ao abordar um atleta, deve-se ter em mente que os sintomas respiratórios podem ser bastante atípicos ou ausentes. O exame físico e a função pulmonar em repouso podem estar completamente normais. Habitualmente, esse atleta já procurou um cardiologista, um nutrologo, um psicólogo esportivo, várias terapias alternativas e, mesmo assim, continua sem resposta para seus sintomas, que, como abordado anteriormente, podem manifestar-se somente em altos níveis de exercícios. Adicionadas as dificuldades de diagnóstico, tratar um atleta asmático implica conseguir um ótimo controle, sem afastar o fator desencadeante. Não é viável afastar um nadador da exposição ao cloro, um esquiador das baixas temperaturas ou um corredor de rua da poluição das grandes cidades ou de aero alérgenos dos campos. Portanto, deve-se fazer o melhor possível, respeitando as condições individuais de cada atleta e sua modalidade.

Medidas farmacológicas e não farmacológicas.

Tratar atletas não difere de tratar asmáticos em geral. Na literatura, poucos estudos abordam populações de atletas de elite. Portanto, muitas condutas devem basear-se na experiência pessoal e na parceria entre o médico e o atleta, seus treinadores e pais quando o atleta for criança ou adolescente.

O uso de corticoides inalados em atletas asmáticos é o pilar do tratamento da asma e do BIE, do mesmo modo que nos asmáticos em geral, sendo claramente permitido e recomendado pelas autoridades esportivas. Infelizmente, atletas também usam pouco corticoides inalados e abusam dos broncodiladores, da mesma forma que se observa na população de não atletas. O uso de corticoides inalados melhora o controle da asma e do BIE, além de diminuir a hiper-reatividade aos estímulos contínuos, uma vez que se concluiu que esses atletas seguirão expostos aos fatores desencadeantes do broncoespasmo. Deve-se prescrever dose baixa de corticoides inalados a todos os atletas que necessitem utilizar beta- agonistas de resgate. Ao considerar a recomendação da GINA e de outros autores em usar exclusivamente beta- agonistas de ação curta em casos leves e na asma induzida por exercício em asmáticos com função pulmonar normal em repouso, é importante lembrar que atletas de alto rendimento treinam duas vezes ao dia, seis vezes por semana. Essa situação caracteriza o uso de beta-agonista de curta ação como monoterapia no tratamento da asma. Portanto, todo atleta com asma ou BIE que esteja usando um beta-agonista para prevenir BIE antes dos treinos deve usar obrigatoriamente um corticoide inalatório, uma vez que é amplamente estabelecido na literatura que o uso exclusivo de beta-agonistas em asmáticos eleva a mortalidade da doença. Nos casos em que o uso de corticoides inalados não atinja o pleno controle da asma, a adição de beta-agonistas de ação prolongada é indicada. Os antagonistas dos leucotrienos reduzem BIE e protegem as vias aéreas dos efeitos deletérios causados pela exposição a irritantes. São também importantes no tratamento da rinite alérgica associada a asma e BIE, além dos esteroides nasais. Apresentam início de ação rápido com a vantagem de uso oral, uma vez ao dia. Não apresentam tolerância com uso continuado. São medicamentos bastante seguros, com raros efeitos adversos. Estudos do papel do montelucast isolado no tratamento da asma e BIE em atletas são de difícil realização, dada a grande variabilidade do BIE, das populações estudadas, modalidades esportivas e faixas etárias distintas.

O entanto, a literatura recomenda o uso de montelucast como anti-inflamatório nesta população, adicionado aos broncodiladores de ação curta ou prolongada e como poupador de doses do corticoide inalatório. Imunoterapia e outras alternativas para o controle da asma em atletas não foram estudadas. Alguns atletas necessitam utilizar beta- agonistas de curta ação adicionalmente aos medicamentos de controle. É importante conscientizá-los do possível desenvolvimento de tolerância. Portanto, o uso desnecessário desses fármacos não traz benefícios ao desempenho deles e a falta de eficácia pode ser fatal em situações de emergência. Atletas com fenótipo asma do esporte podem suspender a medicação durante os períodos de descanso, enquanto asmáticos atletas devem manter o tratamento normalmente ou apenas reduzir as doses. Ainda não existem consensos robustos sobre o melhor tratamento para asma em atletas e BIE. Portanto, a melhor estratégia é estabelecer uma boa parceria entre o médico, o atleta e sua equipe. A asma é uma doença bastante variável, associada a diferentes condições e cargas de treinamento, e seu monitoramento no atleta deve ser constante e dinâmico. Observação de sintomas, repetição de provas funcionais ou uso do monitor de pico de fluxo são ferramentas importantes para manter a asma do atleta estritamente sob controle.