Asma e as Quatro Estações do Ano
Segundo atualização do GINA (www.ginasthma.org) a asma é uma doença heterogênea, caracterizada por inflamação crônica das vias aéreas. Definida por história de episódios repetidos de sintomas respiratórios tais como dispneia, sibilos, aperto no peito e tosse, que variam tanto ao longo do tempo como em intensidade. Portanto, as palavras heterogênea e variável são características fundamentais da doença. Os sintomas são desencadeados por fatores como exposição a alérgenos e irritantes ambientais, mudanças no clima e infecções respiratórias, além de outros como o exercício físico. Tanto os sintomas como as alterações no fluxo expiratório podem ser leves e passageiros, com resolução espontânea e permanecerem ausentes por longos períodos. Por outro lado, os episódios podem ser severos, com necessidade de hospitalizações, acarretando risco de morte. Ainda hoje, a asma não controlada tem impacto significativo nas famílias e na sociedade.
Portanto, falar em asma e estações do ano, ou variações de clima é absolutamente fundamental, dado que a prevenção e monitoramento do tratamento é a chave para o controle total da doença.
Nunca foi tão atual falar de alterações climáticas. Embora muitas pessoas não acreditem no aquecimento global e este assunto é motivo de discussões acirradas, não podemos negar que o clima não é mais o mesmo! Ou pelo menos, não é previsível. Mesmo nos países onde classicamente as estações do ano sempre foram bastante demarcadas, estamos vivendo uma época em que nem sempre o Natal tem neve… nem sempre o outono é multicolorido… e os verões? Um forno gigante! E o que dizer dos países como o nosso, onde as estações do ano nunca foram muito precisas. Podemos afirmar tranquilamente que vivemos as quatro estações no mesmo dia! Facilmente saímos de casa usando um casaco pesado, galochas e cachecol, mas levando na bolsa uma blusa leve e uma sandália.
O problema é que ainda não existem bons agasalhos para proteger as vias aéreas. Então devemos nos prevenir, dentro do que é possível, para driblar tantas variações no ar que respiramos. Afinal, não é de bom tom pedir aos pacientes prenderem a respiração por conta de ar muito seco!
O objetivo do tratamento da asma é atingir o máximo de controle dos sintomas atuais com o mínimo de riscos futuros. Isto implica em ajustar a medicação diária para uma dose ideal e individualizada, a fim de que todos os sintomas estejam sob controle e o paciente não apresente exacerbações. Os riscos futuros são sempre relacionados aos efeitos adversos das medicações e a presença de agudizações que necessitem de hospitalizações. Ajustar doses de remédios para os médicos é bastante fácil. Por outro lado, determinar fatores associados ao mal controle da asma requer um pouco mais de investigação. A pouca aderência ao uso regular dos remédios inalatórios, técnica inadequada de uso dos dispositivos e o apego aos mitos relacionados ao uso dos medicamentos contínuos ainda são os maiores obstáculos ao controle ideal da asma. No entanto, mesmo nos pacientes que usam corretamente seus medicamentos ainda assim podem ocorrer episódios de exacerbação. Monitorar o tratamento, assegurar que mudanças previsíveis nos gatilhos acontecerão e orientar medidas preventivas faz parte do tratamento da asma, da mesma maneira que a prescrição dos medicamentos.
Lembramos ainda que nosso país é muito vasto, com variabilidades extremas de temperatura e umidade. Ainda, as cidades com maior urbanização apresentam maiores problemas relacionados a poluição do ar, enquanto que as cidades do interior, encontramos mais fatores relacionados a polinizações, fertilizantes, queimadas e produtos derivados de agricultura ou pecuária. Cada profissional deve estar familiarizado com as particularidades climáticas e ambientais da sua região.
Vamos então fazer um passeio ao longo do ano, elencando fatores sazonais e não sazonais, que possam prevenir uma crise de asma.
Verão
Geralmente quente e úmido, os verões eram considerados o tempo de folga dos pneumologistas. A maioria dos asmáticos prefere o calor e as chuvas, com as devidas exceções. No entanto, é exatamente no verão que abusamos do ar condicionado. Antes restrito ao ambiente de trabalho, hoje é muito mais acessível e disponível para os domicílios e principalmente automóveis. Nas grandes cidades brasileiras, digo que ar condicionado é equipamento de segurança. O ar condicionado resfria e resseca o ambiente. Além disso, criamos o entra e sai de altas e baixas temperaturas. Estas condições são bastante adversas para as vias respiratórias. Ambientes refrigerados costumam ser lacrados, o que dificulta o arejamento dos ambientes e aumenta a disseminação de doenças e partículas inaladas. Ficamos bastante reféns dos cuidados de manutenção dos aparelhos, limpezas dos filtros e limpeza adequada dos carpetes geralmente presente nestes ambientes.
Recomendação: realizar manutenção periódica dos aparelhos de ar condicionado tanto no trabalho, como em casa e no automóvel. Evitar o uso desnecessário do ar condicionado, principalmente durante a noite. Arejar os ambientes de maneira intermitente ao uso do aparelho. Em ambientes lacrados, evitar materiais que acumulem partículas como carpetes e cortinas.
Viagens de férias
Viajar no verão é sempre mais agradável. Sol e calor convidam a praia ou campo. Mas sair do seu ambiente habitual requer alguns cuidados preventivos. Aquela casa na praia maravilhosa que alugamos pela internet, provavelmente está fechada desde o último verão. O sítio também não foi limpo ou arejado há meses. Hotéis também acumulam mofo e umidade. Destinos de campo são cheios de plantas, flores e animais. Enfim, um convite para uma crise de asma. Adicionamos os destinos remotos, onde o acesso a um pronto socorro é difícil,
ao trânsito das estradas nas férias e feriados. Pronto, temos o cenário ideal para o problema.
Recomendação: investigar o destino de férias em relação ao ambiente, temperatura e umidade. Checar a limpeza, o tipo de ventilação, a presença de animais e plantas. Solicitar a troca da roupa de cama próximo a data da viagem. Sempre levar a medicação de controle, com quantidades suficientes para o período. Agendar uma visita ao seu médico antes da viagem para monitorar a asma e levar um plano de ação, com orientações e medicamentos de resgate se for necessário. Levar o travesseiro ou fronha vale a pena.
Viagens aéreas longas.
Viajar é muito bom, no entanto, a viagem propriamente dita pode ser um problema. Viagens aéreas prolongadas nos colocam um tempo grande antes de embarcar, durante o voo e após o desembarque em ambientes com alta exposição a diversos fatores agressivos ao sistema respiratório. Ar condicionado e ambientes não ventilados já foram discutidos acima. Somado ao ar frio e seco, as aglomerações de pessoas provenientes de vários lugares do mundo, condições de descanso e hidratação inadequadas nos tornam mais susceptíveis a infecções e agressões das vias respiratórias. Se nos indivíduos sem doenças respiratórias crônicas, a agressão é evidente, nos portadores de asma estes fatores podem desencadear uma crise.
Recomendação: antes de viajar, checar o controle da asma com seu médico, como já recomendado acima. Durante o voo, manter boa hidratação e lavagem nasal com solução salina. Lembrar que as soluções em spray não podem ser embarcadas. Levar seus medicamentos diários na bagagem de mão. Malas extraviadas não são incomuns. Ficar sem os remédios de asma pode ser mais prejudicial do que uma mala perdida. Remédios de uso pessoal podem ser levados, sem necessidade de receitas médicas. Se a viagem for prolongada e maiores quantidades de medicamentos forem necessários, levar uma prescrição médica é sempre aconselhável. Melhor manter os medicamentos nas suas caixas, com nomes comerciais. Os remédios de asma precisam de prescrição de médico local para compra no exterior. Aeroportos e checagens de segurança estão imprevisíveis. No entanto, não existe proibição de levar em mãos os medicamentos de uso pessoal.
Viagens de navio
Da mesma forma que as viagens aéreas, os cruzeiros marítimos são deliciosos, mas necessitam algumas precauções, além dos cuidados com os excessos alimentares! Naturalmente, a maioria dos cruzeiros se destina aos mares quentes e ensolarados. Logo, os navios são caracteristicamente equipados com cabines e salões congelados, alternando-se com áreas abertas extremamente quentes. Estes choques de temperatura associado ao confinamento com pessoas de origens diversas, torna o ambiente bastante propício para disseminação de doenças respiratórias e exacerbação da asma.
Recomendação: as mesmas mencionadas acima para viagens aéreas. Acrescenta -se levar roupas que contemplem ambientes bastante frios, apesar de destinos quentes. Arejar cabines sempre que possível e não esquecer de usar os medicamentos diários para o controle da asma. Medicamentos inalados não interferem com ingesta alcoólica e não vão atrapalhar a boa gastronomia do cruzeiro.
Viagens internacionais do hemisfério sul ao norte.
Muitas famílias gostam de aproveitar o nosso verão no inverno do hemisfério norte. Além de todas as recomendações acima, vale lembrar que as infecções virais, principalmente a influenza sazonal também é invertida. Portando, se há um planejamento de férias longas no hemisfério norte nos meses de dezembro a fevereiro, vale a pena fazer imunização para influenza nesta época, de preferência com a vacina aplicada no ano vigente no hemisfério norte.
Festas de Natal e Ano Novo
Ainda no verão, temos a deliciosa época das festas. Natal e ano novo são sempre bastante esperados e comemorados na nossa cultura. Festas e reuniões no trabalho, reuniões familiares com visitas a todos os parentes com seus filhos pequenos e claro, as viagens em família. Tudo muito gostoso. Por outro lado, um único bebe gripado, em um ambiente festivo com muitos beijos e abraços é cenário perfeito para disseminação de doenças respiratórias. Aliado aos feriados prolongados e a ausência dos médicos nos consultórios, o desfecho pode ser ruim.
Recomendação: não deixe a visita de rotina ao seu médico para o próximo ano. Faça a checagem do controle da asma em dezembro, deixe um plano de ação em caso de piora dos sintomas e medicamentos de resgate disponíveis.
Outono
Infelizmente, não vemos no Brasil as magníficas paisagens de outono. Por outro lado, vivemos os mesmos problemas respiratórios da estação. Nesta época, as variações de temperatura são maiores. Madrugadas frias se alternam com bastante calor no meio do dia. A umidade do ar despenca. O nível de poluição atmosférica piora. É também a época das infecções virais sazonais, tantos os resfriados como as gripes, os grandes vilões desencadeantes de crises de asma.
Com a queda da temperatura, as pessoas fecham as janelas e tornam os ambientes menos ventilados. Também vamos a procura dos agasalhos e cobertores que ficaram guardados por bastante tempo, acumulando ácaros. Todos estes fatores são responsáveis pela piora dos sintomas respiratórios e exacerbações da asma, com aumentos sensíveis nos movimentos dos serviços de emergência.
Recomendações: acabado o verão, agendar visita ao seu médico, a fim de checar o controle da asma, as doses das medicações e rever o plano de ação em caso de piora. Vacinar contra a influenza, anualmente. Lavar as roupas e cobertores que ficaram guardados por muito tempo, arejar dormitórios durante o dia, colocar as roupas de cama no sol. Evitar animais domésticos, principalmente nos dormitórios. Manter religiosamente a medicação orientada pelo seu médico, tanto na dose como na técnica inalatória prescrita.
Não adiar mudança do tratamento ou nova consulta em caso de piora dos sintomas. A maioria dos pacientes internados por crise de asma apresentaram piora uma semana prévia a internação.
Inverno
Poucas regiões no Brasil podem dizer que sofrem com invernos rigorosos, com temperaturas extremas. Podemos afirmar que vivemos uma longa estação outono-inverno. Nos últimos anos, a maior mudança observada é ausência prolongada de chuvas. Neste ano, salvo em alguns estados do Nordeste, o nível de umidade foi bastante baixo e chegamos em setembro quase sem chuvas por todo o inverno. Podemos afirmar que nossos invernos estão mais quentes e secos. O prolongado baixo nível de umidade do ar é bastante prejudicial para as vias aéreas, particularmente nas crianças. As crises de asma são mais frequentes e prolongadas. As mesmas recomendações já citadas acima devem ser seguidas tanto no outono como no inverno. Sempre manter a medicação regular e não adiar a visita ao médico quando percebido a piora dos sintomas. A asma leve pode manifestar piora somente durante exercícios físicos. Alguns pacientes sedentários não percebem a piora e acabam atrasando a mudança do tratamento. Exercícios físicos regulares são importantes para a saúde integral e melhoram o nível de percepção dos sintomas da asma.
Primavera
A primavera chega com sol, flores e muita polinização. Mesmo nos centros urbanizados a florada é sentida nesta época. A principal característica da primavera é a piora das doenças das vias aéreas superiores, principalmente a rinite alérgica. Sabemos que a maioria dos pacientes asmáticos também são portadores da rinite alérgica. Inversamente, muitos pacientes com rinite alérgica podem apresentar episódios de broncoespasmo. Portanto, o controle das duas patologias é fundamental para a manutenção da qualidade de vida. Os sintomas da rinite alérgica são frequentemente referidos pelos pacientes como uma gripe prolongada. A ausência de febre e bom estado geral mostra que provavelmente os sintomas de tosse seca, sensação de secreção na garganta, espirros e peso na face são causados pela rinite. O controle medicamentoso da rinite é fundamental para o controle dos sintomas respiratórios. Apesar de baixa gravidade, a rinite alérgica não controlada tem alto impacto negativo na qualidade de vida, pois atrapalha o sono, apresenta sintomas impertinentes como espirros intensos, coriza e tosse crônica. Acima de tudo, em pacientes asmáticos é conhecido que a rinite não controlada atrapalha o bom controle da asma. Logo, ambas as doenças devem ser tratadas com seriedade.
Ar seco e alta polinização são agentes irritantes das vias aéreas superiores. Na primavera, lavagem nasal com solução salina ajuda a melhorar as condições nas vias aéreas superiores, além do medicamento prescrito pelo médico. Asma e rinite devem ser tratadas em conjunto.
Recomendação: manter sempre o tratamento diário da asma e checar se os sintomas respiratórios remanescentes podem ser relacionados a rinite alérgica.
Conclusões
A asma é uma doença heterogênea e variável, com altos e baixos ao longo do ano. Os fatores desencadeantes são diversos e muitas vezes não passíveis de afastamento. A presença de animais domésticos são gatilhos tão conhecidos como a grande resistência dos pacientes em afasta-los. A mesma situação ocorre em relação ao tabagismo. Asmáticos que fumam e possuem animais de estimação continuam um desafio. Em relação aos fatores ambientais que independem da vontade pessoal do paciente, a exposição é inevitável. Cabe então aos médicos e pacientes determinar individualmente quais as estações mais ou menos favoráveis e seguir algumas estratégias preventivas.
A asma ainda não tem cura, mas o tratamento correto possibilita o seu controle total. O pilar do tratamento da asma é o corticoide inalatório, usado diariamente, na menor dose possível capaz de atingir o máximo controle da doença. Medicamentos com doses flexíveis podem ser ajustados facilmente a cada mudança ambiental. Os broncodiladores podem ser adicionados ao tratamento de forma contínua ou intermitente, de acordo com os critérios de controle.
O objetivo é atingir o máximo de controle dos sintomas em qualquer atividade planejada.
A relação transparente entre médicos e pacientes é fundamental para o controle total da asma.